A Palavra do Fim do Dia

Diariamente, um desafio é lançado: uma palavra, apenas uma, que seja capaz de mexer com a criatividade desses oito escritores. Eles deixam os dedos correr no teclado, livres e descomprometidos. O resultado? Uma poesia, uma crônica, um haikai, um conto... Enfim, o que a inspiração deixar. O blog é isso, um convite à criatividade, provocada todos os dias, no finalzinho do expediente.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... SAXOFONE

Por Gabriela
John Coltrane está mais para histórias de amor do que ACDC.
Mas você me trouxe os dois, assim de surpresa, com a mesma paixão.
Do sofisticado doce saxofone ao intenso duro da guitarra.
Dos dois, aprendo a sacar as sutilezas, a maestria e talento na arte do exímio tocar, a paixão, a virtuose.
Descubro novos sons, outras intensidades, belezas. Vidas repletas, carreiras vitoriosas, selvagens, turbulentas e sensíveis.
E sim, que podem embalar qualquer, a nossa história de amor. Na quietude e na explosão.
John Coltrane e seu saxofone quando a noite pede vinho, um jantarzinho especial e nossos corpos mansos, grudados.
Angus Young e sua guitarra quando a noite pede Famous Grouse, um belisco qualquer e nossos corpos doidos, grudados.
Você me traz tudo.

A PALAVRA DE HOJE É... SAXOFONE

Por Cristina
Ele gostava de dizer que era seu mentor musical. Ela aceitava e sorria um sorriso intimo, desses que a gente sorri para si mesmo e não demonstra pelo lado de fora; desses que a gente disfarça e que fazem um bem enorme porque se espalham pelo corpo fazendo vibrar cada pedacinho de pele, cada órgão, cada tecido interno. Assim ela gostava de sorrir quando ele dizia isso.
Não queria que ele se sentisse muito importante com seu posto de mentor. Gostava que ficasse na duvida se ela concordava ou não e a cada vez que dizia de novo, ela fazia essa cara de quem nada sentia e por dentro vibrava e ficava contente com o fato dele ser a pessoa que mostrava a ela toda as notas, percebia exatamente o que ela gostava, prestava atenção no que ela dizia a respeito de cada frase musical. Ela gostava destas minúcias nele e das minúcias que ele percebia nela e se encantava com as coisas nele que o faziam diferente das outras pessoas do mundo.
Uma pessoa única era ele que, de tão única na imaginação dela, quase se tornava um instrumento. Por vezes podia ser um violino com notas melodiosas e carinhosas, por outras um violão alegre, havia dias em que era um pandeiro agitado e outros em que se tornava uma piano a soar num fim de tarde. Mas os dias que mais a encantavam eram aqueles em que ele se tornava um saxofone e ela o escutava ao longe e cada vez mais perto, a cada passo um acorde mais alto, ele vinha chegando, vinha aos poucos e ela se tomava pelo molejo do som, seu corpo vibrando, seus ouvidos ouvindo apenas a ele e mais nada, seus movimentos seguindo a musica e então ela se abandonava, se rendia, se perdia olhos nos olhos, misturava-se no sopro que soprava o instrumento, imiscuía-se, se entregava e se dava toda, completamente, a ele.
Por Mariângela
Quando o som começou a rolar na vitrola,
ela sentiu-se relaxada e pronta a sentar na poltrona.
Era a deixa para aconchegar-se em seu canto
com todos os direitos que aquele momento lhe reservava.
No único espaço em que ninguém se achegava,
garantido após 15 anos de casamento.
Não sabia se aquele não compartilhar é que dava prazer
ou a simples sensação de pertencer-se por uma ou duas horas.
Mas alguma coisa aconteceu naquela noite,
quando na canção o saxofone entrou de sola,
como o uivo da noite de lua cheia, querendo aventurar-se.
Mesmo instante em que o seu homem, há 15 anos,
passava pela porta, rumo a cozinha, para comer qualquer coisa.
Ela pensou porque não ser devorada ali, por ele, naquele canto particular,
ao som do seu blues predileto, que o sax insistia em evidenciar.
Por que não quebrar as regras e ultrapassar as próprias fronteiras?
Por que não deixar que o gosto doce do vinho fosse compartilhado com outra boca?
Foi quando seu homem voltou da cozinha e surpreendeu-se ao vê-la nua, na poltrona do canto,
sussurrando no mesmo tom do saxofone ao fundo: 'Vem?'

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJÉ É... DAMASCO

Por Sócrates
O imperador amanheceu irritado. No palácio da aclamação - entre cobertas gordurosas e jalecos entupidos de coxas de galinha - o rei convocou as damas da côrte para um recital. Os versos iam e vinham sem qualquer reação de vossa excelência. Até que uma das damas soltou um dos malfadados poemas da Boca do Inferno, Gregório de Matos. Que falta nesta cidade? Verdade. Que mais por sua desonra? Honra. Falta mais que se lhe ponha. Vergonha.Inculcado com os versos argilosos o rei ordenou com uma das mão, vai, vai, continua: O demo a viver se exponha. Por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha. Continua infeliz, começou, agora termine, estou curioso.Quem a pôs neste socrócio? Negócio. Quem causa tal perdição? Ambição. E o maior desta loucura? Usura. Notável desventura de um povo néscio, e sandeu, que não sabe, que o perdeu Negócio, Ambição, Usura.A dama sorriu, mas constrangiu a côrte inteira. Quem pensa que é dama indolente>Não percebe, não vê, não sente. Uma dama, uma fruta, uma poeta, porém, pura. Pois bem. Vou terminar com o improviso, decretou o imperador e soltou:Não é dama, não é fruta. Se Gregório aqui estivesse, lhe chamaria de puta.Como sou rei, carrasco e não perco uma disputa. Decreto sua morte, desta dama proclamada por si mesma uma fruta, lhe chamo de damasco, mistura de dama com carrasco e rasgo seu rabo enfiando um pé na sua bunda.
Por Gabriela
Eu conheci damasco quando me desafiei.
Revirei aparências, escarafunchei conceitos, meti o dedo em texturas desconhecidas.
Conversei com o vizinho que aparentava ser a pessoa mais antipática do mundo.
Comprei uma blusa vermelha pra sair do conhecido preto que dominava meu guarda-roupa.
Cortei o cabelo mais curto.
Disse não pra uma convenção familiar que nunca fez minha cabeça.
Comi um damasco.
Eu já perdi gosto demais por preconceito, rigidez.
Hoje me experimento. E tem sido doce.
Por Mariângela
No stop, aquele jogo que se escreve palavras que começam com uma letra sorteada,
preenchendo os espaços - cor, flor, fruta, nome, animal, País... -
eu sempre emperrava na letra D.
Tudo vinha na cabeça rapidinho: dourado, dália, Décio, dinossauro -
porque no meu stop valiam até os extintos.
Mas, chegava na fruta... era uma coisa!
Até que um dia eu descobri o damasco.
E passou a ser a fruta padrão de minha letra D.
Conheci, mais tarde, ela ao vivo.
Foi quando o tempo das vacas magras deu um tempo,
e meu pai trouxe uma dúzia delas, que devoramos com prazer.
O Natal estava chegando e lembro que, nele, repetimos a dose na ceia.
Passei a associar damasco à letra D do stop e ao Natal.
Mais à frente, já na adolescência, deparei-me com a fruta seca.
E, confesso, me apaixonei pelo sabor e
pelo rapaz que me ofereceu um punhado delas numa festa.
Eu associava damasco à letra D do stop, ao Natal e à paixão.
Pouco mais tarde, casei-me com o rapaz, que sempre me muniu da fruta seca
e de um carinho e um amor tão saborosos que me faziam lamber os beiços.
Resolvemos passar a lua de mel em Damasco, uma cidade linda na europa oriental.
Eu associava damasco à letra D do stop, ao Natal, à paixão e a minha felicidade.
Agora tenho um novo desafio.... no stop, achar nome de flor com z...
mas aí começa outra história...

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É...CONSERTO

Por Mariângela
Hoje eu sei que não devia ter dito,
nem ter feito, pensado ou posado daquele jeito.
Tudo foi um erro: do primeiro beijo em outra boca
às promessas insanas de nunca mais querer-te.
Eu sei, sinto e pressinto, ter sido esse meu maior engano.
Daqueles sem fim, que nada apagam ou escondem no avesso.
Dos que cicatrizam e formam sulcos profundos na pele seca.
Os que não têm jeito ou forma, retorno ou desvio.
Sim, eu sei, não há mais conserto em nós.
Por Gabriela
Eu botei o dedo na ferida, indelicada e inábil.
Nem pensei na dor, nem pensei no teu passado, exposto e duro.
Eu te esqueci aquele que não foi meu, que não conheci.
E você não é só o dia de hoje, aqui, comigo.
Acho que posso ter sido cruel sim, mas não percebi. Não desta vez.
Tem conserto?
A minha palavra ferina, o teu peito machucado?

terça-feira, 7 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... CONSTATAÇÃO

Por Gabriela
Às vezes cai em mim o peso das minhas escolhas. Eu não deveria estar aqui. Ouvindo a voz de um colega de trabalho esquisito que não suporto e me lembra, todos os dias, como o mundo está povoado de gente rasteira e desagradável. Eu deveria estar num país distante, escrevendo um romance, falando outras três línguas. Deveria ter um emprego de alta executiva e ganhar o triplo do que ganho pra poder viajar de férias todos os anos. Ser uma profissional reconhecida na minha área. Ser procurada por outras empresas, ávidas pelo meu passe. Ganhar Leões de Ouro em Cannes. Ter tesão e brilho no olho em cada título que eu criasse, em cada job que me caísse na mão. Não precisar contar o salário pra ver se todas as contas serão devidamente pagas no final do mês. Ter uma tarde de crise existencial tipicamente feminina (de álibi, a TPM) e torrar uma grana em roupas na Zara, na Cori, na Chocolat – sem estourar o limite do cartão e sem o menor arrependimento, ainda que em casa, no meio do closet abarrotado, eu ache que jamais vou ter coragem de usar aquele casaco de couro cor pistache, modernérrimo. Ser ligada nas últimas invenções tecnológicas e mandar emails até debaixo do chuveiro, me conectar com um amigo egocêntrico em viagem espiritual pelo Nepal e saber o que ele está almoçando. E antes de ir para o escritório (horário super flexível de alto escalão), passar pelo salão de beleza mais renomado da cidade pra fazer cabelo, unha, pé, massagem e ouvir fofoquinhas inocentes completamente desconectadas do mundo capitalista corporativo onde transito com a maior naturalidade do mundo! Eu deveria ser aquela pessoa cool que se torna meio referência, sem saber. Uma cabeça! Inteligente, descolada, despreocupada, competente, linda, simples, fashion, antenada, culta, amiga, parceira, independente financeira e emocionalmente, cidadã do mundo – à vontade em Paris, Japão, Boston, São Francisco, Morro de São Paulo, Milão, Rio de Janeiro, São Paulo, Sepang, Penedo, Cambury, Bora Bora enfim milhas e milhas de conforto e adaptação instantânea. Eu deveria não me prender às pequenezas, não me deixar atingir pela imbecilidade e má educação dos milhões de motoristas desta cambada humana que precisa trabalhar do outro lado da cidade feito eu, não ouvir as besteiras e falsidades ao longo das horas que passo trancada no escritório, contando minutos pra poder colocar a cara na rua e respirar um pouco mais fundo e leve. E não, não odeio meu emprego ou a minha vida, ao contrário, me considero uma privilegiada. Mas uma constatação que me veio agora, neste segundo em que escrevo e ouço o colega esquisito que trabalha ao lado: neste segundo, eu não deveria estar aqui. Não, não deveria.
Por Cristina
Estava cansada de constatar, confessou-me baixinho para que ninguém escutasse.
Respostas que sabia há tempo e teimava em constatar novamente. Mania de ir com as coisas tão até o fim, mas tão até o fim que sempre lhe sobrava algum sofrimento no final.
Mania de saber todos os detalhes, dizer todos os porquês, expor o que deveria ficar guardado a sete chaves. Até que a constatação a tomava por inteiro, sempre assim, em um repente quase que esperado, depois de tantos saberes reunidos.
E ali restava com o que já sabia a lhe pesar nos braços.
Disse-me que neste momento conseguia ver a cena em toda a sua dimensão e que só então percebia todas as nuances.
Aconteceu ontem, disse. E com tudo o que já sabia saíra passo a passo, forçando um sorriso nos lábios, como se fosse preciso...
Nunca um acesso de fúria, pois que este mataria a possibilidade da curiosidade a ser satisfeita.
Nunca um afastar decidido pois então como poderia saber?
Sempre aquele cavar das verdades doloridas, que só terminava na constatação final.
Aquela de ontem.
Que a deixara com o que já sabia a lhe pesar nos braços.
Por Mariângela
- Aqui consta que você não ama há muito tempo.
- Tem razão... faz tempo mesmo.
- Então tem de trocar as peças porque enferrujaram. Quando resolver amar, capaz de emperrar.
- Será? E o que mais tem de mudar.
- Parece que a paciência anda meio desregulada.
- É? Pra mais ou pra menos?
- Hum... pra bem menos. Quer que dê uma reforçada?
- É bom, é bom... espero que não doa muito.
- Doer um pouco sempre doi, mas vale a pena.
- Verdade... ano passado reforcei o bom humor e até que está durando.
- Que bom, porque esse é o tipo de coisa que desgasta logo....pelo menos na maioria.
- E você acha que preciso de algo mais?
- Olha, precisar você precisa, mas é melhor não mexer mais, pra não desalinhar.
- Certo. Então fecha a conta. Ano que vem volto e revemos como tudo está.
- Isso. Até lá, então.
- Até.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... VIDRADO

Por Sócrates
- Estou vidrado nesta mina, mano.
- Pô, deixa de cheiro mole mané. Pô, deixa disso, pô.
- Você não viu a mina mano, tá por fora de qual é.
- Deixa disso mano, vidra neste aqui, fuma ai mano.
- Não, tô fora mané, o negócio agora é a mina. A mina não gosta deste cheiro.
- Não gosta do cheiro, qual é.
- É muito melhor o cheiro da mina, tô vidrado.
- Pô, ó o mano pô, qual é a dele, pô.
- Tô vidrado.
Por Mariângela
Era tão fixado naquela idéia
que perdeu toda noção.
Andava despido de bom senso
metia-se em buracos e poços sem fundo,
tudo porque só tinha um foco,
uma faca e um bilhete mal escrito.
Descansou quando matou quem o perseguia.
E ficou deitado, na sarjeta, por horas,
a sangrar a morte.
Por Gabriela
Nasceu ali, entre uma parede escorregadia e outra.
Úmido e à mostra. Nu.
Pra todos os olhos, todas as vergonhas, todos os todos.
Um gelado apertado de gargalo estrangulado.
Coisa estranha, brotar dali. Dum árido vidrado de uma garrafa largada no meio da rua.
Sem pra onde nenhum.
Coisa estranha. Nem era sentimento pra se embrenhar assim, em cantos estéreis.
Nem água pra se meter aonde não se vai.
Era larva, mosquito, febre, dengue, dor.
Uma coisa que nem devia.

sábado, 4 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É UMA FRASE... MAIS, AINDA

Por Mariângela
Beijei muito, mas tão pouco
para a sede de minha boca.
Falei sempre de tudo
mas sinto falta de outros dizeres.
Entreguei-me inteira algumas vezes,
mas sempre devendo um pequeno pedaço.
Amei nada, gostei muito, apaixonei demais,
mas só uma vez deixou marcas que não quero apagar.
Fiz um filho, e nunca soube se poderia ter mais,
e hoje me sinto mãe de um só rebento.
Desejei estar em lugares que nunca estive,
mas é aqui que passarei o resto de meus dias.
Quero mais, ainda, eu sei...
mais por muito menos.
Por Gabriela
Então eu deitei aqui e vi todas as estrelas. Há céus sem elas. Aqui, proliferam.
E minha cabeça encostada na terra me lembrou chãos que pisei sem ter idéia de fazê-lo.
Os pés quando tornam o caminhar automático perdem o traçado, o cheiro, o destino.
O mundo ficou sendo aqui. Este pedaço de terra que recebe meu corpo e me mostra o infinito que nunca será de ninguém.
Eu não ouço nada, nem o silêncio. Não quero nada. Sinto minha imobilidade e cada poro lateja contente.
Nem sei se gostaria de alguém aqui, ao lado. Acho que não.
Mais, ainda – a vida podia ser só isso, nem que por um segundo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... ERRO

Por Mariângela
Eu me arrependo de tantos erros.
Mas de que me adianta?
Erros não se apagam,
nem têm conserto.
São marcas que ficam
como a pinta esquecida no meio das costas.
Mas está lá, te lembrando no espelho,
do que foi feito e nunca terá jeito.
Sinto muito por alguns erros,
aqueles que invadem outros destinos.
E na minha amarga consciência
tiram meu sono de menino.
Queria errar menos.
Aliás, queria não errar.
Mas erro, logo, existo.
E fico aqui, contando as pintas
que nascem nas minhas costas...


Por Sócrates
A borracha apaga o que deveria ser visto. A verdade é ocultada pela vontade de não errar. A história é uma lembrança necessária e não sente amnésia. A caneta rasura, mas, o corretivo falsifica. A maré esconde as pegadas de um grande amor.
Por Gabriela
Nem quero achá-los.
Que os erros apodreçam e simplesmente se esqueçam que foram cometidos por nós.
Importa o encontro. Este aqui – de nossos olhos se engolirem e saberem.
Somos imaculados, um pro outro. Vamos nos querer assim.
Se tropeçarmos agora, que seja sem os sapatos que já usamos, não na estrada em que morremos.
Que se eles, os erros, vierem desta vez; que nos sejam amorosos e ensinem.
E não matem, não matem nada nesta perfeição de momento que somos nós dois.

terça-feira, 31 de março de 2009

A PALAVRA DE HOJE É...CATAVENTO

Por Mariângela
Eu catei tudo....
as dores de outros,
amores que não tive,
paixões entaladas,
desejos enlatados,
perdas imperdoáveis,
medos homéricos,
altos obstáculos,
dias fáceis,
calor morno,
paz disfarçada,
preguiça e silêncio.
Ergui os pés,
o vento bateu na cara,
abri os braços,
e tudo ali larguei.
Foi quando, enfim, voei.
Por Gabriela
Já catei muito vento. E conchas do mar.
Porque as ondas nunca se deixaram aprisionar.
Tive esta ilusão de controlar o tempo, de ser dona de mim.
Estive em montanhas altas, vendo o mundo de cima.
Enfiada em buracos, mal vi luz.
Eu fui demais.
Eu guardo um par de coisas destas minhas andanças.
Um girassol, o tênis furado na ponta, uma camiseta rasgada.
O catavento puído, um texto amarelado, uma foto sem data ou memória.
Uma garrafa vazia, um brinco quebrado, um pé de meia sem par.
Não, não são tesouros de uma índole apegada. Testemunhas, só. Cúmplices no meu ir pelo mundo.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... FÉ

Por Cleo
Eu digo sempre menos do que queria. Ou mais. Bem mais.
Um dia, exagero. No outro, peco pela falta.
Sorrio demais quando deveria ter dado mal e mal um sorrisinho fechado.
Choro de menos quando deveria ter me derramado em lágrimas.
Sou levemente boazinha quando deveria ter dado não só ombro, mas colo.
Dou amor quando não recebo, desapareço quando deveria estar, estou quando deveria me esconder.
Levo bronca por reafirmar para mim mesma que não fui feita para o amor. Eu não acredito nisso, mas afirmo. É uma espécie de defesa. Mas tem a maior cara de ataque. Contra mim mesma, é claro.
Apaixono-me mais depois que o amor já passou.
Corro atrás de quem não se deixa pegar.
Fujo a léguas de quem me persegue.
Às vezes, só às vezes, fico parada. Morro de pressa, mas espero acontecer.
Não procuro nada básico, nem roupa, nem relacionamento. Mas me perco na complexidade da vida, achando que deveria ter querido algo mais simples.
Procuro uma mão para segurar quando ela se esconde dentro de um bolso.
Fotografo paisagens vazias, sem cenas de mim. Aliás, nunca estou nas minhas fotos. Seguro demais a pose, mesmo sabendo que ela dura menos tempo do que um flash.
Quando eu quero que as coisas funcionem, elas dão pau. O secador de cabelo, a torradeira, as compras pela internet e a programação da TV a cabo. Tudo colapsa justamente naquele dia em que eu quero secar minha franja, comer torrada com cream cheese, fazer uma compra on line de um secador de cabelo novo (e o produto está indisponível no momento, embora eles insistam em querer me vender uma bicicleta ergométrica e o livro “O caçador de pipas”) e assistir às 20h00 o documentário sobre o New Kids on the Block (que passou às 19h00, embora a programação dissesse o contrário).
É no dia de Ano Novo que eu adoro o Natal.
Divirto-me com uma viagem quando já voltei para casa.
Adoro carne, mas morro de dó.
Sempre quero uma rasteirinha quando estou de salto.
Sempre quero o perfume cítrico quando resolvi sair de casa cheirando a tutifruti.
Não suporto exercícios físicos, mas não deixo de querer outra barriguinha no lugar da minha todo dia antes de dormir.
Tenho horror a fumante folgado, que bafora seu lixo no mundo e joga sua bituca escrota pela janela do carro. Mas não consigo, simplesmente não consigo querer parar de fumar.
Adoro qualquer tipo de manifestação artística. Sempre acho que levo jeito para todas e qualquer uma delas. Mas canto mal, desenho mal, pinto tão bem quanto uma maritaca, nunca aprendi a ler partituras, larguei a faculdade de Cinema no primeiro ano e escrevo achando que vou provocar delírios quando, no máximo - se o dia estiver bom - faço uma pessoa rir. Uma. Geralmente minha mãe.
Sou fascinada pelos mistérios do universo. Queria ter sido astrônoma, astrobióloga, qualquer coisa que começasse com astro e oferecesse um cargo na NASA. Mas nunca tirei nota maior do que 6,0 nas provas de ótica. Odiava mecânica. E enforquei todas, eu disse TODAS as aulas de eletricidade quando me preparava para o vestibular. Não faço ideia do que seja um ampere. Afinal, para que eu precisava dessa porcaria toda se queria estudar... Cinema, certo?
Amei um milhão de vezes para sempre.
Terminei namoros que, jurei, jamais teriam fim.
Já quis estar em todos os lugares do mundo sem precisar sair da minha casa.
Se está curto, quero comprido. Se liso, enrolado.
Se sozinha, preocupada. Se acompanhada, magrela.
Eu sei tirar cutícula da mão direita, mas não sei imprimir etiquetas Pimaco 6182.
Eu sei cuidar de cachorro, mas preciso aprender a aceitar algumas coisas, algumas pessoas e alguns lugares como eles são. Preciso muito aprender a parar de imaginar “como seria se”.
E assim eu sigo.
Às vezes, dizendo mais do que queria.
Outras vezes, seja por excesso de amor à arte (que eu não domino) ou por falta de amor a mim mesma (que eu mal entendo), acabo dizendo menos.
E aí, quero acreditar em mim. Em você. Em qualquer coisa.
Quero acreditar...
Quando sei o que me dá mais prazer nessa vida é duvidar de tudo.
Por Gabriela
Veio feito um fogo manso no começo.
Queimava mas ainda não era labareda.
Ardia, mas era só brasa.
Não pediu comprovação, não exigiu sacrifício.
Aceitação, um morno de saber o peito aberto e sossegado.
Nem reza, nem sermão, nem dogma, nem ouro.
Não era a palavra, tampouco o cerimonial. Nada que coubesse nos olhos.
Era só a vaga sensação por dentro, de fogo que não queima.
Fé.
Por Mariângela
Juro que vou acreditar,
mas não me peça um "pra sempre"
porque minha fé tem validade.
Ela permanece inabalável
conforme o tamanho do seu sorriso
ou o calor que teu beijo me traz.
Por isso, veja só a responsabilidade:
meu credo é o seu comigo estar.
Por Sócrates
Fé no Neruda.
Na terra, na beleza, no amor.
No sabor do pão sem fermento.
No pão judeu, cristão, muçulmano, hindu, budista e do candomblé.
Ode ao pão.
Fé no Saramago.
No sangue dos fracos
Na palavra, na letra, na oralidade escrita com sangue.
Fé no que virá.
Na vida, no Gonzaguinha e na teologia da libertação.
Fé no Drummond.
Na inocência do Leblon.
Na páscoa sem ovos, sem coelhos, sem dinheiro.
Sem navio negreiro
Fé no Galeano
Na América Latina de Gabriel Garcia Marquez, Simon Bolivar e Che.
Fé no pão e no vinho
Ode ao vinho
do dia
da noite
De copos que não cabem
Na páscoa sem manjedoura
Sem sangue, apenas vinho e pão.

Fé II
Uma senhora de roupas brancas e cabelos grisalhos distribuia sopa na praça.
O Largo do Caranguejo era como um moredouro de pobres.
Aviltavam-se sobre as mãos solidárias da mulher,
que servia na porta da igreja o pão negado pelo padre.
No entorno homens bebiam cerveja, como se fosse vinho. As mulheres passavam como se fossem leprosos a deriva.
O som alto dos carros trocavam diálogo com as palavras do palco, que enceneva a paixão de Cristo. A senhora de roupas brancas pouco a pouco perdia as forças e se via entre as mãos e braços esfomeados. Cristo estava na cruz, enquanto o soldado lhe feria com a lança. A pobre mulher era sucumbida pela fome, enquanto o padre rezava a missa.
O pão viraria mão, o vinho sangue.
E o caranguejo comia os restos deixados na praça.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... SEXTA-FEIRA

Por Gabriela
Sempre começo, sempre final.
Termina a semana, sai de nossos ombros o cansaço dos dias duros, trabalhados de sol a sol (ainda que ao abrigo do ar condicionado).
Começa o descanso, as perspectivas de.
De fazer sol, de pegar a estrada, de ir pra praia ou pro sítio, de pegar piscina, de fazer churrasco, de lavar o carro, de almoçar fora, de reunir a família, de dormir até tarde, de ir ao cabeleireiro, pegar um cinema, sair pra dançar, ver um lançamento no Telecine, jogar tênis, convidar um amigo pra bater papo em casa, andar pelo bairro a pé, andar pelo shopping, fazer um almoçozinho diferente, demorar pra sair da cama, tirar uma soneca depois do almoço, tomar umas cervejas no boteco da esquina, ler uma revista, terminar aquele livro, tomar café na padaria, fazer a lição de casa do curso de espanhol, planejar o futuro, ter tempo de uns muitos sonhos.
Sempre começo, sexta-feira.
Por Mariângela
Não sei pra que uma semana inteira
se a farra só começa na sexta-feira!
E por que 39 anos, se a vida só tem sentido pós os 40?
Ou pra que sofrer tantos amores frustrados
se você me aparece do nada, nem diz seu nome,
arranca de meu peito todo o cansaço
e enche o vazio com bolhas coloridas de sabão?
Não era mais fácil te ter primeiro, numa sexta-feira,
no auge dos meus 40 anos? Não era?
Vai entender...

quinta-feira, 26 de março de 2009

A PALAVRA DE HOJE É... PARANOIA

Por Mariângela
Bem me quer,
mal me quer,
bem me quer,
mal me quer...

E foi assim que surgiu
a paranoia no amor.
Por Cristina
Então, eu me lembro, foi daquela ultima vez que fomos à praia.
Não foi não, que mania de achar que sempre sabe quando e como as coisas aconteceram. Não foi daquela vez!
Ta bom, então não foi, nem ligo! O importante é que aconteceu, não importa quando.
Pronto, já esta querendo colocar o peso em mim de novo? Querendo a toda hora me lembrar que eu disse, que eu fiz... e você? Não fez nada?
Mas foi você quem me perguntou quando tinha acontecido!!! Eu já nem me lembrava do fato!
Não se lembrava? Mas não foi logo dizendo que dia tinha sido, aliás, inventando o dia do acontecimento? Deve ter se lembrado disso milhões de vezes e é claro, só me recriminando!
Mas que bobagem essa conversa, vamos mudar de assunto!
Tá vendo? Quando a coisa vira paro seu lado, já nem quer mais conversar. É assim que você faz!!!
Tá bom. Fala logo. Qual é o problema? Porque se não há um problema você sem duvida esta querendo arrumar um.
Por que? Você está querendo dizer que eu SEMPRE arrumo problemas?
Eu falei a palavra “sempre”? Falei?
Se não falou com certeza pensou, eu vi a expressão do seu rosto, pensa que eu não vi?
Eu acho que vou sair um pouco, isso aqui não está me cheirando bem...
Ah, então era isso que você queria não é? Sair!!! Agora sim deu para perceber o intuito, desde o começo. Você queria sair e arrumou essa conversa só para ter motivos para sair sozinha. Vamos lá, diga logo quem é ele.
Ele? Que ele? Você está maluco?
Viu? Estava faltando me chamar de maluco!!!! Era aí que você queria chegar!Bem aí! Saia então, vai, encontre-se com ele, quero ver se vai dar alguma coisa muito melhor do que esse inferno em que a gente vive.
A gente vive em um inferno? Vive?
Vive. A gente vive um inferno diário.
Ah! Agora percebi!!! Era aí que você queria chegar! Aposto que já não agüenta mais.
Isso mesmo! Não agüento mais.
Você está maluco? Desde quando você inventou isso? O que está acontecendo?
Nada! Então não está acontecendo nada? Só eu que acho? E eu é que sou o maluco? Então eu sou o completamente maluco? É isso que você queria me dizer?Então eu vou-me embora, é isso que você quer?
Eu? Eu falei que era isso que eu queria?
Bateu a porta e não voltou nunca mais.
Por Gabriela
- Não, não é um complô contra você!
- Claro que ninguém fez de propósito pra te magoar, acho que ele nem seu deu conta que você ficou chateada.
- Ah não, não acredito que alguém em sã consciência faça joguinhos deliberadamente pra te atingir! Não acha que está exagerando um pouquinho?
- Pára de imaginar coisas! Pra mim, é um pouco de paranóia da sua parte – ele seria muito maquiavélico se pensasse em algo assim, e os homens são bem mais racionais do que isso.
- Olha, você ficar se martirizando deste jeito não vai adiantar nada! Esquece isso, relaxa!
- Pode ser o maior lugar comum do mundo, mas você não precisa de um homem pra ser feliz.
- Enquanto você não focar em outras coisas e deixar de lado esta fixação em arranjar alguém, nada vai acontecer. Vai por mim!
- Não acredito que você ligou pra ele de novo??!! Ele não disse que ligava? E você já atropelou de novo??...
- Se quer que ele saiba de alguma coisa, seja direta. Estas mensagens dúbias enchem o saco e dão margem à interpretação que ele quiser. Depois não reclama.
- Quer saber de uma coisa?! O mundo não gira ao redor do seu umbigo! Deixa de ser egocêntrica! Cresça!